quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

vó...




Lembra, vó, quando eu era criança?
A senhora morava tão longe, demorava pra gente se ver. Então, quando sobrava um tempinho e uma graninha, lá ia a família pra Cambuci... era um sonho pra garotada. Cidade gostosa, liberdade... mais gostosa ainda a casinha aconchegante que ficava lotada de gente. Colchonetes e travesseiros por toda a casa.

A gente chegava 4 e meia da manhã, a senhora acordava e nos recebia cheia de carinhos. De manhã fazia café pra gente... A criançada não parava em casa, só queria saber de farra. Eu até que era mais caseira, puxa, vó, como a gente conversava! A senhora me contava das coisas do passado, da vida difícil que tivera, até das brincadeiras de infância. Eu gostava de brincar com as suas "pelancas" de baixo do braço, lembra? meus olhos estão marejados de saudades daquela época... algumas vezes eu escrevi cartinhas pra senhora, porque era difícil a gente se ver. Uma vez recebi uma carta sua, recortada em formato de coração, que felicidade... a senhora falava sobre sua alegria em receber minha cartinha... não sei onde foi parar aquela carta. Queria voltar no tempo pra pegar ela e guardar num cofre, pra nunca mais perder!

Queria voltar no tempo, vó. Eu cresci, fiquei adolescente e continuei te visitando. Depois namorei, casei... então, velhinha, a senhora teve que vir morar aqui. Queria ter te visitado mais, vó. Quando ficou mais fácil a gente se ver eu estava sempre ocupada demais, cansada demais, e pouco ia te ver. A senhora se entregou, foi perdendo aquela alegria de viver... e era aí que precisava mais de mim, e eu acabei me afastando... queria ter insistido mais um pouquinho pra senhora levantar um pouco da cama e ir tomar um ventinho lá no quintal... queria ter conversado mais, talvez a senhora tivesse tido um pouco mais de vontade de viver...

Queria ter ficado mais do seu lado... por que a gente cresce, vó? a gente devia crescer só de corpo, mas a alma devia continuar sendo criança. Aliás, é isso que Jesus diz, que se não tivermos um coração de criança, não entraremos no seu Reino. Eu cresci e te deixei de lado... e agora, estou aqui com um nó na garganta, querendo voltar no tempo, e sabendo que não posso mais... Da última vez que estive do seu lado foi pra ver a senhora partindo nos meus braços e eu sem poder fazer nada... eu chorei e te pedi desculpas, no seu ouvido, mas a senhora não estava mais lá... não sei se é possível agora a senhora ficar sabendo dessas minhas palavras, se algum anjo pudesse te dar esse recado, eu queria dizer que tem alguém aqui que te ama muito, e que nunca vai te esquecer, apesar de não ter estado tão perto nos últimos dias...

Tenho uma foto linda da senhora, vó. Dos seus 80 anos, como ficou bonita! Vou guardar pra sempre, e vou mostrar pro Mateus. Vou contar pra ele quem era essa vovó, como ela era, e tenho certeza de que ele também irá te amar, mesmo sem ter conhecido muito bem. Agora sou mãe, mas quero voltar a ter um coração de criança. E vou ensinar meu filho (e filhos) a ser sempre criança e a nunca desvalorizar o que realmente é bom. O aconchego de uma família...

A senhora foi a última dos meus avós a partir. Estranho, como a gente quando ainda tem avô ou avó pensa que ainda é jovem... Agora não tenho mais, só as lembranças. Vó Natalina, não tenho mais palavras, só queria dizer que te amo, e que essa semana que se passou depois que a senhora partiu só me ensinou como eu perdi tempo... e tudo o que eu queria ter feito e não fiz... Desculpa, vó, prometo que vou tentar ser diferente.

Tenho pensado muito nessa música que coloquei de fundo, e refletido sobre essa letra. Soube que foi escrita por uma pessoa que descobriu que tinha uma doença rara e mortal. Não vamos esperar chegar o fim pra nos lamentar, vamos agir! Depois pode ser tarde demais...

Titãs - Epitáfio

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr.

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