domingo, 26 de agosto de 2007

Dias de esperança e angústia


Olhando para o lado, vi uma incubadora passando de longe, saindo pelaporta e o bebê lá dentro, muito, muito pequeno. “É o MEU FILHO”, refleti para verse conseguia interiorizar tudo aquilo que acontecia. Parecia que nada daquiloocorria realmente. Mais uns minutos e eu deixava o centro.

Saindo de lá, vi minha família olhando carinhosamente pra mim. “Viu?Viu?” era o que eu dizia a todos, apenas com os lábios, pois não podia falar.Sim, todos viram. O Alan correu pelas escadas para vê-lo entrar na uti. Eu fuilevada para o quarto.

Na hora da visita, o quarto estava lotado de gente. O Alan chegou e medeu as primeiras notícias sobre o bebê: nasceu com 1165 g e 39 cm. Não sabia muito maisdetalhes.

Naquela madrugada, a Raquel, minha colega de quarto teve uma crise dechoro porque não sabia amamentar direito, não sabia se cuidaria direito do seufilho, essas coisas. Eu olhava e via seu bebê ao seu lado e pensava no meu láem cima, na uti, tão pequeno, tão frágil. No fim da madrugada as enfermeirasvieram tirar a sonda e me ajudar no banho. Foi difícil! Estava muito fraca,precisei de amparo para não desmaiar.

No dia seguinte eu não tinha ainda noção do que havia acontecidocomigo: eu tive um filho!!! Que coisa estranha, tive um filho, mas cadê ele? Medespedi da Raquel, que foi embora com seu filho nos braços. A manhã passou, oAlan ainda não chegara para ir comigo até a uti.

Enfim, chegou o grande momento: era a hora de conhecer o meu filho.Subimos de elevador, a porta se abriu: “unidade neonatal de Jacarepaguá”.Entramos, ele me ensinou como lavar as mãos. Passamos pela próxima porta. Eleme ajudou a vestir um capote verde. Neste momento uma enfermeira fazia algumprocedimento com ele, foi pedido que esperássemos um pouco afastados. Sentei-mee comecei a olhar para alguma coisa, para tentar não desabar ali dentro, antesmesmo de ver o bebê. Passei os minutos reparando nos animaizinhos estampados emuma faixa próxima ao teto, que envolvia toda a uti.

Liberados para ir até a incubadora, andamos devagar até lá. E lá estavaele. Muito, muito pequeno. Sua cabecinha tinha o tamanho de um punho fechado.Havia vários eletrodos em seu corpinho, e um tubo de oxigênio em sua boca.“pode tocar nele”, o Alan disse. Pus minha mão pela janela da incubadora,toquei em sua pele. Era lisa, colava quando passava o dedo. Sentei-me, meusolhos fixos lá dentro. Minhas lágrimas então começaram a descer. Eram lágrimasde emoção, de preocupação. Fiquei muito impressionada com o seu tamanho. Estavadiante da pessoa que tanto amava, que tanto esperei, que tanto pedi a Deus.Voltei para o quarto e voltaria lá ao final da tarde, para ficar até as dez danoite, horário limite para a presença dos pais.

No dia seguinte tive alta. O Alan foi me buscar e ficamos na uti até ahora do almoço. Me informei sobre o leite materno. Fui até a sala de ordenha,mas não consegui tirar leite. Fomos para a casa da minha tia Rita, que morapróximo ao hospital. Voltamos à tarde pra uti e ficamos até a noite. Resolvemosque eu passaria os primeiros dias lá na casa da minha tia pois, estandooperada, não poderia me sacrificar com longas viagens e subir cinco andarestodo dia. À noite, quando chegamos lá, meu tio Joanir insistiu que o Alanficasse lá comigo. Ele aceitou, lógico.

Naquela noite, sentia muitas dores, principalmente nos seios, poishavia estimulado com a bombinha e estavam cheios, transbordando, empedrados.Durante o banho, eu chorava ao mesmo tempo de dor e tristeza, pois estava estourandode tanto leite, e meu filho não podia mamar. Graças a Deus o Alan estava lá eme ajudou.

Fiquei dez dias, até a retirada dos pontos, lá na casa da minha tia.Foram muito conturbados esses dias. Ora o Mateus estava muito bem, ora vinhauma notícia bomba. Como quando disseram que ele tinha uma pneumonia. Se fossehoje em dia, saberia que o pulmão dele fora muito castigado pelo nascimentoprecoce, e não me desesperaria tanto. Mas foi um dia horrível pra mim, chorei atémeu rosto ficar desfigurado.

Neste período também ficamos sabendo que ele teve uma hemorragiaintra-cerebral por causa da prematuridade, e que ficara um coágulo no seucérebro, que poderia causar acúmulo de líquido, desenvolvendo hidrocefalia. Foio que aconteceu, a médica me disse que seria preciso pôr uma válvula, meapavorei. Mas depois regrediu, e ficamos apenas acompanhando com exames.

Era um dia após o outro, um dia bom outro ruim. Demorou muito para sairde 1200 g.Com 11 dias ele saiu do tubo de oxigênio. Passou então a usar um aparelho quefica no nariz, o CPAP. Ficamos muito felizes, mas não sabíamos o quanto ele demorariaa deixar esse segundo. Os dias e semanas se passavam e Mateus não suportavaficar sem o aparelho por mais do que um ou dois dias. E seu narizinho começavaa ficar ferido, era uma dor imensa para ele e também para nós. Quando precisavatirar para pesar, ou para aspirar, ou qualquer coisa, parecia que ele ficavaaliviado, e na hora de recolocar, chorava baixinho de dor. Nesse tempo elepegou algumas infecções e precisou tomar muitos antibióticos. E nossa esperaficava cada vez mais angustiante.

Um dia uma das enfermeiras que cuidavam dele resolveu tentar tirar oCPAP dele, pois seu nariz já estava muito machucado. Para nossa surpresa eleagüentou bem. Passou alguns dias, uma semana mais ou menos assim. Ele ficavacom uma mangueirinha de oxigênio perto dele, às vezes precisava, às vezes não.Nesse período ele ganhou peso bem, chegou a 1945 gramas. Um dia, aoligar pra ter notícias dele fiquei sabendo que ele havia feito duas apnéias.Fiquei triste, porque parecia que tudo estava se encaminhando bem, não era horade voltar atrás agora.

Mas era. Chegamos ao hospital em uma terça-feira e vimos o carro dobanco de sangue. O Alan falou: “não gosto de ver esse carro”. Eu também tremipor dentro. Preferimos acreditar que aquilo não tinha nada a ver com o Mateus.Ao chegar na porta da uti, vimos que havia umas mangueiras a mais entrando pelaincubadora. “Ele voltou pro CPAP”, o Alan disse. Antes de entrarmos aenfermeira chefe disse que a doutora queria falar conosco na secretaria. E veioa péssima notícia: Ele fizera uma apnéia grave e não conseguiu sequer ficar noCPAP, foi entubado novamente.

Entramos enfim na uti, vimos o bebê, tão abatido, com aquele tubodentro de sua boquinha. A cena foi aterradora, não resisti e comecei a chorar.Tanto tempo de espera, parecia que ia acabar, voltamos ao início! Por queaquilo? Desanimamos um pouco, oramos juntos, choramos juntos. Os médicos diziamque o quadro poderia melhorar logo.

Dia após dia aguardávamos a melhora da saúde do Mateus. Mas nuncatínhamos boas notícias quando chegávamos lá. Sempre precisava de mais oxigênio,tentava abaixar os parâmetros do respirador mas ele não suportava muito tempo. Asituação era crítica. O auge do problema foi em na segunda-feira seguinte.Assim que entramos na uti a doutora nos avisou: “precisamos aumentar o oxigêniodele, pois a saturação caiu muito e o coraçãozinho dele até parou”. Eu não quisentender. Perguntei: “ele teve uma parada cardíaca?” e ela respondeu que sim.Inacreditável! Seria possível que Deus levaria o meu bebezinho? Nos aproximamoslentamente da incubadora. Ele estava lá, tenso, com os olhinhos assustados elacrimejando. Mordia o tubo e suas mãozinhas bem fechadas. O chefe da utipassou visita e soube do acontecido. No momento em que ele mandou que orespirador fosse trocado por um mais moderno, pediram que nós nos afastássemos.Desabei. Pensei que seria o fim, que perderia meu filho. Não queria, não aceitavaaquilo. . Os outros pais também ficaram sensibilizados com a nossa situação.

Estava tão abalada queresolvemos ir para casa. Falamos com o padre para que ele fosse ao hospitalbatizar o Mateus. Demos a notícia à nossa família, que ficou muito abalada. Nodia seguinte, voltamos para vê-lo. Estava estável, nenhuma intercorrência. Euparei de pensar que o bebê tivera uma parada e comecei a pensar que ele havia voltado de uma parada. À noite, em casa,chorei muito e orei a Deus com todas as minhas forças, que eram quase nenhuma.Entreguei de coração o meu filho a Ele, ainda que fosse para levá-lo de mim.

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